sábado,
setembro 15, 2012
Mário Frota, que é incapaz de fazer uma crítica política sem xingar de
impropérios os adversários, resolveu chutar o balde: – Esse prefeitinho de
vocês, além de corrupto e proxeneta, também é baitola! – disparou. “Só um
baitola iria perder tempo contratando esse bando de viadinhos musculosos para
vir fazer desordens na nossa festa cívica...”
Lançamento do Candiru, em junho de 1986, no Bar do
Armando. Da esquerda pra direita, Marino Baima, eu, Jorge Estevão, Aldisio
Filgueiras, Artur Neto, Mário Frota e Mário Adolfo. Com exceção do Jorge
Estevão, que atualmente mora em Cuiabá (MT), todos os outros continuam do mesmo
lado. É preciso falar mais alguma coisa?
Agosto de 1986. A frente de oposição “Muda
Amazonas” chega a Manacapuru para realizar um comício. Formado por dissidentes
do PMDB e partidos de esquerda (PDT, PSB, PCdoB e PCB), o “Muda Amazonas” tinha
como candidatos majoritários Artur Neto (governador), Serafim Corrêa
(vice-governador), Mário Frota e Félix Valois (senadores). Na época, o prefeito
de Manacapuru era o ex-deputado estadual Paulo Freire.
Ferrenho cabo eleitoral do candidato da situação (o
ex-prefeito Amazonino Mendes, indicado por Gilberto Mestrinho), Paulo Freire
resolveu não dar vida mansa aos oposicionistas e contratou vários lutadores de
jiu-jítsu com a ordem expressa de bagunçarem o coreto oposicionista.
O comício foi realizado na Praça da Liberdade, em
frente da sede da prefeitura. Armados até os dentes, os “provocadores” se
posicionaram no meio da multidão para vaiar e xingar os oradores. Faixa preta
de jiu-jítsu e ex-aluno de Hélio Gracie, Artur Neto era o único da turma que
estava tranquilo com a possibilidade de o comício transformar-se numa
pancadaria generalizada.
Na medida em que os oradores aumentavam o tom de
críticas a Paulo Freire, Gilberto Mestrinho e Amazonino Mendes, os
“infiltrados” também iam aumentando o nível de provocação na plateia. Um dos
últimos oradores da noite, Mário Frota, que é incapaz de fazer uma crítica
política sem xingar de impropérios os adversários, resolveu chutar o balde:
– Esse prefeitinho de vocês, além de corrupto e
proxeneta, também é baitola! – disparou. “Só um baitola iria perder tempo
contratando esse bando de viadinhos musculosos para vir fazer desordens na
nossa festa cívica...”
Mirando um “bad boy” no meio da plateia, Mário
Frota encasquetou:
– Tás olhando pra mim por quê, ô filho da puta?...
Se tu és macho mesmo, sobe aqui, pra ver se eu não te quebro de porrada!...
O sujeito resolveu encarar o desafio. Armado com um
taco de beisebol, ele começou a abrir caminho no meio dos presentes, se
dirigindo ao palanque.
Mário Frota entrou em desespero:
– Porra, Artur, o cara tá vindo! Chama os
seguranças, que o cara tá vindo! Caralho, o cara tá vindo e tá armado!...
Nisso, um segundo “bad boy” sacou um revólver da
cintura e começou a dar tiros pra cima. Foi a gota-d’água para o estouro da
boiada. Era gente correndo pra todo lado, procurando se proteger do tiroteio.
No palanque, Vanessa Grazziotin se escondeu atrás
de uma caixa de som. Candidato a deputado estadual, Eron Bezerra quase teve um
troço:
– Sai daí, porra, que caixa de som é o primeiro
lugar onde esses putos atiram quando querem acabar com um comício!...
No mesmo instante, ele puxou a esposa pelos cabelos
e lhe empurrou de cima do palanque. Vanessa caiu em cima de uma cunhantã
mirradinha, que estava acocorada atrás do palanque esperando a confusão acabar.
Assustada com aquela carga inesperada no costado, a
cunhantã se levantou e correu mais de quinze metros com a comunista agarrada no
seu cangote, antes de ambas desabarem numa poça de lama existente em um terreno
baldio.
O apresentador do comício, Francisco Sávio, tentou
entrar em uma residência, mas foi barrado pelo dono da casa pelo excesso de
lotação. Sávio resolveu, então, se esconder na “privada” existente no quintal,
mas, como estava escuro, ele não viu o buraco no assoalho de madeira –
conhecido como “fossa turca” – e enfiou o pé na jaca. Ficou embostado até a
virilha.
Mário Frota também foi barrado em uma residência,
por excesso de lotação. Desesperado, aventurou-se pelo quintal, mas deu de cara
com um feroz buldogue, morto de fome. O cão só lhe deixou em paz depois que o
ex-deputado federal conseguiu subir num pé de tucumã. Mário Frota passou uma
semana tirando espinhos dos braços, das mãos, do rosto e da barriga.
Meia hora depois, com a chegada do destacamento da
Polícia Militar (três soldados e um cabo), os ânimos finalmente foram serenados
e o comício pôde prosseguir. Artur Neto estava possesso. Ele chamou um de seus
seguranças (tenente Fernando? Miltão? Bonates?) num canto e deu a dica:
– Desce do palanque e fica ao lado daquele gorila
de camisa preta, que ele é o chefe da quadrilha. Assim que a gente começar a
cantar o Hino Nacional, tu senta a mão na cara do filho da puta e deixa o resto
comigo...
Dito e feito. Na hora em que a população estava
entoando o “desafia o nosso peito a própria morte” o segurança desferiu um tapa
tão violento no principal “jagunço” de Paulo Freire, que o barulho deve ter
acordado a cidade inteira.
A pancadaria que se seguiu foi digna de entrar no
livro de recordes. Mais de duzentas pessoas participaram da briga coletiva e o
centro da cidade se transformou numa praça de guerra. Quem não bateu, apanhou.
Pacifista até a alma, o economista Teodoro
Botinelly, candidato a deputado federal pelo PDT, conseguiu localizar o brioso
comandante do destacamento da PM, que se escondera atrás de uma castanholeira:
– O senhor é a única autoridade aqui que tem moral
suficiente para parar com esse conflito! – argumentou o economista.
– Tenho mais autoridade não, seu moço! – rebateu o
cabo, se tremendo de medo. “Só restou eu e o soldado Elias. Os outros dois
praças abriram no trecho e uma hora dessas já devem estar pegando a balsa pra
Manaus...”
– Mas o senhor conhece esses marginais. Eles todos
trabalham para o prefeito Paulo Freire... – insistiu Botinelly.
– Conhecer, eu conheço, seu moço, mas eles são
muitos!... – desculpou-se o militar. “Eles são muitos e tá tudo maconhado!...”
A confusão só terminou depois que Artur Neto mandou
uns vinte “maconhados” para o hospital e, aos berros, ameaçou incendiar a Prefeitura,
a Igreja, o Colégio Nossa Senhora de Nazaré, a Feira da Liberdade, o Mercado, a
Câmara Municipal, a fazenda do Paulo Freire, o diabo a quatro...
A única “baixa” dos oposicionistas ficou por conta
da calça Lee de Francisco Sávio, que teve de ser sacrificada no rio Solimões,
pois a fedentina que exalava era insuportável.
Meu saudoso amigo Francisco Sávio voltou para
Manaus só de cueca, camiseta e tênis, um traje carnavalesco que, anos depois,
seria entronizado pela Banda Independente Confraria do Armando (Bica).
NOTA DO EDITOR DO MOCÓ
Nos anos seguintes, Artur Neto migrou da esquerda
(PSB) para a centro-esquerda (PSDB). Continua um sujeito íntegro.
Serafim Corrêa fez o percurso inverso: migrou da
centro-esquerda (PDT) para a esquerda (PSB). Continua um sujeito íntegro.
Mário Frota continuou de centro-esquerda (PSDB,
depois PDT, de novo PSDB). Também continua um sujeito íntegro.
Felix Valois continuou na esquerda democrática
(PCB, depois PPS). Se não bastasse continuar um sujeito íntegro, é meu
permanente modelo de pessoa honrada.
Vanessa e Eron continuaram onde sempre estiveram –
o PCdoB foi que migrou pra direita (com os dois juntos, óbvio!) e hoje é
parceiro preferencial do PP de Paulo Maluf (o comunista Chiquinho
Garcia, do PP, é suplente da senadora).
Como dizia minha falecida avó Rosa no seu peculiar
linguajar interiorano, “o que fode as pessoa é as má companhia por causa
de um tolete de merda...”