A "Última flor do Lácio, inculta e bela" é o primeiro verso de "LÍNGUA PORTUGUESA", de Olavo Bilac, usado para designar o nosso idioma. O termo inculta fica por conta de todos aqueles que a maltratam (falando e escrevendo errado), mas que continua a ser bela.
O mundo não é estático, nenhum ser humano é o mesmo cinco anos depois, assim como as línguas faladas em todo o mundo enfrentam mudanças em razão, principalmente, de termos novos que surgem em decorrência do avanço das ciências tecnológicas, em especial na área da informática.
O meu espírito fica dividido entre o moderno e o antigo da minha infância e adolescência. Absolutamente não sou refratário às novidades, mas, vez por outra reajo, quando percebo que trazem certos absurdos. Dia desses o meu filho Saulo falou-me que se submeteu a um concurso público, e que na prova de português, o forte não foram as questões objetivas sobre o conhecimento da gramática da língua pátria, nem mesmo a redação sobre determinado tema, que segundo ele não houve, mas uma interpretação de um texto literário.
Bem, os tempos são outros. Quando em 1967 enfrentei o vestibular para a Faculdade de Direito da Universidade do Amazonas (UA) - hoje UFAM - as provas foram difíceis, possivelmente porque a vetusta Escola de Direito do Largo dos Remédios só oferecia 40 vagas, insuficientes para os milhares de interessados que tinham por meta o estudo das ciências jurídicas. Só existia uma Faculdade de Direito no Estado para receber os jovens daqui, do Estado do Acre e dos ex-territórios de Roraima e Rondônia. O estudante que não fosse aprovado teria que esperar um ano para se submeter a novos exames. Época difícil aquela, bem diferentes dos dias de hoje, considerando-se que em nossa Manaus existe atualmente uma dezena de cursos de Direito.
O bicho papão na minha época era a redação. Não é nada fácil escrever 40 linhas sobre um tema aleatório e de forma escorreita. Como os jornais só falavam na possibilidade do Amazonas ganhar uma Zona Franca, todos acreditavam que esse fosse ser o tema da redação. Já estávamos em sala quando entrou o professor de Português, Agenor Ferreira Lima, que, como ex-seminarista e quase padre, conhecia o latim como poucos. O velho professor era um apaixonado pela língua de Cícero e Virgílio, o idioma que deu origem ao português, a ‘Última Flor do Lácio, inculta e bela’, como no dizer dos primeiros versos do famoso poema de Olavo Bilac: ‘Língua Portuguesa’.
Voltemos à narrativa. A prova de Português foi dividida em duas partes: uma redação e cinco questões objetivas de gramática, todas, naturalmente, associadas ao latim. Duas delas, não vou esquecer, nunca. A primeira, origem e evolução do verbo por e, a segunda, explicar porque foi o latim vulgar (falado pela soldadesca das legiões romanas), e não o latim clássico (a forma preferida pelos intelectuais de Roma), que deu origem a língua portuguesa. Quanto a redação, todos aguardávamos que o tema fosse Zona Franca, mas o carrancudo mestre anunciou, em bom som, que o tema da redação era da sua escolha. Ato contínuo foi ao quadro negro e escreveu, com letras bem visíveis: “O Homem e o Meio”. Foi um Deus no acuda. Uma colega levantou-se e perguntou: “professor, por favor, explique-nos sobre o que o senhor quer dizer com o tema o Homem e o Meio?” De forma brusca, respondeu: “a senhora está fazendo vestibular para Direito. Sente-se, a prova já começou”. A minha amiga sentou-se, baixou a cabeça, e chorou.
Prestando vestibular havia alguns ‘cobras’ conhecedores da língua. No entanto, a nota mais alta em português foi a do então padre Cristovam Alencar, que obteve 9,0; a do quase padre Osvaldo Coelho, 8,5; e o Fábio Lucena conquistou 8,0. Tirei um 7 e comemorei, não era para menos. Português foi um massacre. O que me salvou foi o volume do livro que falava sobre gramática histórica, publicado pelo ex-presidente Jânio Quadros, de onde retirei a resposta para três das cinco questões que caíram na prova. Ao final, o jornal A Crítica publicou os nomes dos vitoriosos em matéria intitulada “Os 40 Heróis”. Juro que, até hoje, não sei como consegui ser o 5º classificado. Frente a tanta gente especial, a exemplo dos poetas Anibal Bessa e Aldísio Figueiras, entre outros igualmente ilustres, foi mesmo sorte obter tal classificação.
Agora as coisas mudaram. Ao invés de testar se o aluno sabe escrever e conhece gramática, os organizadores de concursos dão preferência a essa história de interpretação de texto que, em minha modesta opinião é subjetiva, pois, de um grupo de 10 professores de português, escolhidas para interpretar um texto literário de Guimarães Rosa, talvez uns três, no máximo, terminem com interpretação igual. Interpretar um texto isolado é difícil, o mesmo não acontece quando já lemos o livro, obviamente, principalmente quando extraído da obra do autor de Grandes Sertões Veredas, que deixou um regionalismo difícil de entendimento para o leitor ainda não iniciado na linguagem das regiões do vasto sertão mineiro, que o inspirou na criação de Riobaldo e Diadorim, personagens que adquiriram vida e vivem no nosso imaginário.
Com se não bastasse a cruzinha a indicar a resposta certa entre quatro ou cinco opções de múltipla escolha, prenhes de pegadinhas safadas, agora enveredam por outra embromação: a interpretação de texto literário. Entendo que qualquer prova com objetivo de saber se o aluno tem conhecimentos sobre a língua portuguesa deve ser objetiva, sem subterfúgios, sem intenção de querer confundi-lo com as tais pegadinhas, num jogo mais de sorte do que de conhecimento real sobre o idioma de Camões. Acredito que chegamos a isso em razão da péssima educação ministrada neste País, em especial nos colégios público, onde a maioria dos alunos termina o curso sem saber ler, escrever, ou fazer as quatro operações elementares. Governantes, de forma irresponsável, mais do que isso, criminosa, orientam diretores de escolas a não reprovar, mas aprovar todo mundo, não importando se o coitado que vai receber o diploma sabe tanto quanto na época em que chegou ao colégio. Isso é uma vergonha. Infelizmente, no quesito educação, chegamos ao fundo do poço.
Por: vereador Mário Frota
Líder do PSDB na CMM
Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Redação da CMM
O meu espírito fica dividido entre o moderno e o antigo da minha infância e adolescência. Absolutamente não sou refratário às novidades, mas, vez por outra reajo, quando percebo que trazem certos absurdos. Dia desses o meu filho Saulo falou-me que se submeteu a um concurso público, e que na prova de português, o forte não foram as questões objetivas sobre o conhecimento da gramática da língua pátria, nem mesmo a redação sobre determinado tema, que segundo ele não houve, mas uma interpretação de um texto literário.
Bem, os tempos são outros. Quando em 1967 enfrentei o vestibular para a Faculdade de Direito da Universidade do Amazonas (UA) - hoje UFAM - as provas foram difíceis, possivelmente porque a vetusta Escola de Direito do Largo dos Remédios só oferecia 40 vagas, insuficientes para os milhares de interessados que tinham por meta o estudo das ciências jurídicas. Só existia uma Faculdade de Direito no Estado para receber os jovens daqui, do Estado do Acre e dos ex-territórios de Roraima e Rondônia. O estudante que não fosse aprovado teria que esperar um ano para se submeter a novos exames. Época difícil aquela, bem diferentes dos dias de hoje, considerando-se que em nossa Manaus existe atualmente uma dezena de cursos de Direito.
O bicho papão na minha época era a redação. Não é nada fácil escrever 40 linhas sobre um tema aleatório e de forma escorreita. Como os jornais só falavam na possibilidade do Amazonas ganhar uma Zona Franca, todos acreditavam que esse fosse ser o tema da redação. Já estávamos em sala quando entrou o professor de Português, Agenor Ferreira Lima, que, como ex-seminarista e quase padre, conhecia o latim como poucos. O velho professor era um apaixonado pela língua de Cícero e Virgílio, o idioma que deu origem ao português, a ‘Última Flor do Lácio, inculta e bela’, como no dizer dos primeiros versos do famoso poema de Olavo Bilac: ‘Língua Portuguesa’.
Voltemos à narrativa. A prova de Português foi dividida em duas partes: uma redação e cinco questões objetivas de gramática, todas, naturalmente, associadas ao latim. Duas delas, não vou esquecer, nunca. A primeira, origem e evolução do verbo por e, a segunda, explicar porque foi o latim vulgar (falado pela soldadesca das legiões romanas), e não o latim clássico (a forma preferida pelos intelectuais de Roma), que deu origem a língua portuguesa. Quanto a redação, todos aguardávamos que o tema fosse Zona Franca, mas o carrancudo mestre anunciou, em bom som, que o tema da redação era da sua escolha. Ato contínuo foi ao quadro negro e escreveu, com letras bem visíveis: “O Homem e o Meio”. Foi um Deus no acuda. Uma colega levantou-se e perguntou: “professor, por favor, explique-nos sobre o que o senhor quer dizer com o tema o Homem e o Meio?” De forma brusca, respondeu: “a senhora está fazendo vestibular para Direito. Sente-se, a prova já começou”. A minha amiga sentou-se, baixou a cabeça, e chorou.
Prestando vestibular havia alguns ‘cobras’ conhecedores da língua. No entanto, a nota mais alta em português foi a do então padre Cristovam Alencar, que obteve 9,0; a do quase padre Osvaldo Coelho, 8,5; e o Fábio Lucena conquistou 8,0. Tirei um 7 e comemorei, não era para menos. Português foi um massacre. O que me salvou foi o volume do livro que falava sobre gramática histórica, publicado pelo ex-presidente Jânio Quadros, de onde retirei a resposta para três das cinco questões que caíram na prova. Ao final, o jornal A Crítica publicou os nomes dos vitoriosos em matéria intitulada “Os 40 Heróis”. Juro que, até hoje, não sei como consegui ser o 5º classificado. Frente a tanta gente especial, a exemplo dos poetas Anibal Bessa e Aldísio Figueiras, entre outros igualmente ilustres, foi mesmo sorte obter tal classificação.
Agora as coisas mudaram. Ao invés de testar se o aluno sabe escrever e conhece gramática, os organizadores de concursos dão preferência a essa história de interpretação de texto que, em minha modesta opinião é subjetiva, pois, de um grupo de 10 professores de português, escolhidas para interpretar um texto literário de Guimarães Rosa, talvez uns três, no máximo, terminem com interpretação igual. Interpretar um texto isolado é difícil, o mesmo não acontece quando já lemos o livro, obviamente, principalmente quando extraído da obra do autor de Grandes Sertões Veredas, que deixou um regionalismo difícil de entendimento para o leitor ainda não iniciado na linguagem das regiões do vasto sertão mineiro, que o inspirou na criação de Riobaldo e Diadorim, personagens que adquiriram vida e vivem no nosso imaginário.
Com se não bastasse a cruzinha a indicar a resposta certa entre quatro ou cinco opções de múltipla escolha, prenhes de pegadinhas safadas, agora enveredam por outra embromação: a interpretação de texto literário. Entendo que qualquer prova com objetivo de saber se o aluno tem conhecimentos sobre a língua portuguesa deve ser objetiva, sem subterfúgios, sem intenção de querer confundi-lo com as tais pegadinhas, num jogo mais de sorte do que de conhecimento real sobre o idioma de Camões. Acredito que chegamos a isso em razão da péssima educação ministrada neste País, em especial nos colégios público, onde a maioria dos alunos termina o curso sem saber ler, escrever, ou fazer as quatro operações elementares. Governantes, de forma irresponsável, mais do que isso, criminosa, orientam diretores de escolas a não reprovar, mas aprovar todo mundo, não importando se o coitado que vai receber o diploma sabe tanto quanto na época em que chegou ao colégio. Isso é uma vergonha. Infelizmente, no quesito educação, chegamos ao fundo do poço.
Por: vereador Mário Frota
Líder do PSDB na CMM
Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Redação da CMM